Histórico
A criação do Banco Justa Troca, a primeira instituição financeira comunitária da Região Sul do Brasil, fundada em 2016, se insere num contexto de lutas históricas da comunidade Nossa Senhora Aparecida (bairro Sarandi, Porto Alegre) por melhores condições de vida.
Desde os anos 1990, especialmente por conta da implantação do Orçamento Participativo na capital gaúcha, promovida pela Administração Popular, a comunidade local encontrou caminhos para se mobilizar e conquistar melhorias em áreas como moradia, saneamento, educação, geração de trabalho e renda, entre outras.
Foi na esteira desses avanços que nasceram a Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos (UNIVENS), em 1996, a Cooperativa Central Justa Trama, em 2005, e a Cooperativa Nova Geração, responsável pela criação da escolinha infantil Nova Geração, em 2008.
A organização comunitária e os avanços sociais, econômicos e educacionais consolidaram essas instituições e permitiram que membros da comunidade participassem de fóruns nacionais e começassem a tomar contato com setores de universidades e organizações internacionais que são referências no estudo da Economia Solidária.
Os primeiros passos
Em 2016, quando se observava o crescimento da insegurança no bairro e até mesmo uma espécie de distanciamento entre os moradores, especialmente assustados pelas disputas do tráfico – além dos impactos do golpe e da diminuição nas políticas sociais –, buscou-se alternativas para fortalecer os vínculos comunitários e estimular a geração de trabalho e renda.
Um objetivo se estabelecia: a criação de um banco comunitário da Vila Nossa Senhora Aparecida.
Para isso, além da mobilização da própria comunidade, uma série de agentes externos foram fundamentais nesse processo. Entre eles, o Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa (NEGA), da UFRGS. O NEGA, em parceria com moradores, realizou pesquisas que mapearam a região e estabeleceram um perfil econômico, social e comportamental da população da Vila Nossa Senhora Aparecida. A informação científica se somava às percepções e sabedorias populares próprias da vida cotidiana do bairro.
Em abril de 2015, foi realizado um encontro com a comunidade, na sede da cooperativa Justa Trama, para consultar sobre a criação de um banco no bairro e explicar o conceito de “banco comunitário”, as diferenças em relação a instituições financeiras privadas e convencionais, e destacar como isso poderia render benefícios para todos os moradores. Essa situação se repetiria muitas outras vezes: a ideia do banco somente sairia do papel a partir de diversos encontros e debates envolvendo diretamente a comunidade da vila.
O aprendizado com o Banco Palmas
Em setembro de 2015, Joaquim Melo, do Banco Palmas, do Ceará, referência nacional em instituições financeiras comunitárias, veio a Porto Alegre conversar com a comunidade, detalhar o funcionamento e as principais ações do Palmas, além de relatar os efeitos dessas atividades na comunidade cearense onde ele está inserido.
O próprio Joaquim é autor de uma reflexão fundamental em todo esse processo: ele diz que nossas vilas não são pobres, mas são empobrecidas. E isso acontece porque o dinheiro ganho pelos moradores da vila com seus trabalhos é gasto, em boa parte, fora da vila, suas compras realizadas em grandes redes de mercados e lojas. O desafio do banco comunitário seria, justamente, criar as condições e os descontos para que a riqueza gerada pelos moradores da vila fosse investida na própria vila. Mediar essa relação entre comércios e consumidores da Vila Nossa Senhora Aparecida.
Após novos encontros e debates, foram definidos, em consulta à comunidade, o nome do banco, “Justa Troca”, o nome da Moeda Social, o “Justo”, e, em 2 de maio de 2016, oficializada a criação da Associação Comunitária Vila Aparecida (ANCOVI), entidade que faria a gestão do banco. A primeira diretoria foi, então, eleita para o mandato de um ano: Nelita, Coordenadora; Edília, Tesoureira; Luciana, Secretária; Nelsa, Relações externas; e Jaqueline, Cultura. Ainda foram definidos também os componentes do Conselho Fiscal.
Inauguração
Enfim, em novembro de 2017, foi realizado o lançamento oficial do banco e das moedas, todas já impressas, em um coquetel com as presenças das cooperativas UNIVENS, Nova Geração, Posto de Saúde, Justa Trama e do Banco Sicredi.
O banco ainda passou por um período em que foi realizado o cadastro do comércio local e as assinaturas dos termos de adesão. A receptividade, como era esperado, foi muito boa, 80% das iniciativas de comércio de alimentos, corte de cabelo, fruteira, farmácia, calçados e ferragem aderiam à moeda.
Hoje, depois de centenas de empréstimos, cursos, feiras e outras tantas ações e eventos já realizados, o Justa Troca se consolida como um espaço de fomento ao desenvolvimento econômico da comunidade da Vila Nossa Senhora Aparecida, mas também de estímulo à economia solidária, acesso à cultura, à educação socioambiental e, como refere o livro escrito pela colaboradora Nelsa Nespolo, de fortalecimento das tramas coletivas de afeto e de esperança.